Catedral e o tempo

 em Artigos

Símbolo de religiosidade e cultura de Ribeirão Preto, a Catedral Metropolitana de São Sebastião carrega as marcas do tempo e da falta de manutenção e de planejamento.

A Catedral Metropolitana de São Sebastião de Ribeirão Preto é o símbolo de fé, história, beleza, arquitetura e cultura de uma sociedade que vem sendo construída desde 19 de junho de 1856. A igreja, que carrega o nome do padroeiro do município, pode ser vista e admirada de longe por quem passa pelo Centro de Ribeirão Preto.

O prédio, que começou a ser construído em 1905 e concluído em 1920, tem mais de 100 anos e é retrato das marcas do tempo e da falta de manutenção e de planejamento de um município repleto de patrimônios históricos em ruínas. Tombado em 2009 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Artístico e Cultural de Ribeirão Preto (Conpacc) e em 2014 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), o local sofre com o descaso e a urbanização — com carros e ônibus que invadem diariamente o Centro da cidade —, que abalou a estrutura arquitetônica.

Por isso, necessita de obras para reforçar, restaurar, revitalizar e proteger a Catedral do tempo. Em 2018, Francisco Jaber Zanardo Moussa, o padre Chico, como é conhecido na cidade, iniciou a saga para reformar a igreja. Atualmente, luta para finalizá-la e, para isso, ainda necessita de, aproximadamente, R$ 5 milhões. A seguir, ele relata as dificuldades que vem enfrentando para proteger o patrimônio e terminar as obras da Catedral Metropolitana da cidade.

Depois de anos na luta pela revitalização da Catedral Metropolitana de Ribeirão Preto, como está a reforma do local?

A luta é permanente e árdua e tem muitos desafios, mas com paciência e sabedoria tenho conseguido alguns resultados. O retorno é lento, embora em algumas situações eu tenha caminhado de maneira solitária, mas muitas pessoas têm me ajudado e abraçado comigo a causa da revitalização.

Até agora, quais as mudanças que já foram feitas no prédio da igreja?

No final de janeiro, concluímos o reforço estrutural da área que chamamos de anexo administrativo: secretaria, sacristia, salas de reuniões, arquivo morto, ateliê de iconografia e cozinha. Essa era a área onde as rachaduras estavam mais evidentes. Para sanar o problema, foram implantadas 30 megaestacas, com 12 m de profundidade, e oito microestacas, com 18 metros de profundidade. Em abril, iniciamos a reforma do anexo com a implantação do sistema de segurança e incêndio, implantação de novas redes de captação de esgoto e hidráulica, implantação de novo sistema elétrico com aumento da tensão, adequação das escadas e degraus para acessibilidade, ampliação de banheiros para atender à demanda dos fiéis e dos frequentadores diários da igreja e implantação do novo sistema de climatização do prédio.

No fim de 2017, o senhor havia dito que 2018 seria o ano da captação de recursos financeiros para as obras estruturais previstas para 2019. Vemos que quase dois anos depois, continua lutando por essas verbas. Quais os obstáculos que estão impedindo a conclusão da reforma?

O primeiro obstáculo é o valor da obra. O reforço estrutural e a restauração de um prédio histórico como o da Catedral são caros por conta da tecnologia que deve ser aplicada, os materiais que precisam ser usados, a logística de determinadas empresas e a mão de obra especializada. O segundo obstáculo é o de conscientizar a sociedade sobre a importância de preservar o patrimônio histórico, arquitetônico e cultural diante de uma mentalidade que acha mais fácil destruir do que salvar ou recuperar, e que não dá muita importância ao passado e as suas origens. O terceiro obstáculo é o de romper o estigma de que a Catedral é uma igreja rica, pois não é. A Catedral é uma paróquia que sobrevive com a ajuda do povo, por meio de doações, ofertas e dízimo, como qualquer outra paróquia ou igreja de periferia. O quarto obstáculo é a crise financeira atual, pois, numa economia retraída, as pessoas acabam tendo outras prioridades.

As campanhas para arrecadação da verba voltadas à reforma da Catedral de São Sebastião surtiram efeito na população ribeirãopretana?

Atualmente, a população se lembra e tem esse olhar de preocupação com a Catedral. O nosso termômetro são as rifas dos carros que realizamos duas vezes ao ano: muitas pessoas que adquirem a rifa dizem que fazem questão de ver a igreja bonita e restaurada. O público que adquire é proveniente de toda a cidade, das cidades vizinhas e de outros estados. Uma situação interessante é que pessoas de outras denominações religiosas também adquirem a rifa.

Os resultados dessas ações realizadas pela comunidade paroquial foram satisfatórios?

Graças a essas arrecadações, conseguimos realizar o reforço estrutural mais crítico e a reforma do anexo administrativo. Nesse momento, já gastamos, aproximadamente, R$ 900 mil. Como ainda não concluímos as obras desta primeira fase, esse valor ainda poderá sofrer alterações. Ainda será instalada uma cabine primária de média tensão elétrica estimada em R$ 120 mil.

Quanto falta ser arrecadado para a finalização da reforma?

Para o restante da implantação das 78 microestacas, que seria a segunda fase do reforço estrutural, faltam, aproximadamente, R$ 1 milhão. Para o restauro e a terceira fase, aproximadamente, R$ 4 milhões.

Falta empenho e mobilização da sociedade para ajudar a igreja nestas etapas?

A população de classe baixa e média são as que mais ajudam, a resposta deles aos eventos e campanhas promovidos pela igreja é bem satisfatória. Alguns empresários — no caso, poucos — ajudam, mas a maioria não ajuda e é difícil compreender essa resposta numa realidade em que Ribeirão Preto é considerada como a Califórnia Brasileira, como uma metrópole rica.

Por se tratar também de um patrimônio histórico do município, a paróquia conta com políticas públicas para ajudar com os gastos de manutenção e de preservação das instalações?

No caso específico da Catedral, embora o prédio seja um patrimônio histórico, a Prefeitura acaba tendo algumas restrições devido à Constituição brasileira. Com o estado laico, o município fica de mãos atadas para ajudar uma única Igreja. No atual momento, naquilo que o poder público pode ajudar, ele tem ajudado, pelo menos o diálogo tem sido mais intenso e aberto do que em anos anteriores.
Como a população de Ribeirão Preto pode se movimentar para ajudar na captação de recursos?

Através das campanhas, quermesses, rifas e dos eventos promovidos pela igreja. Atualmente, temos a rifa de um Fiat Mobi Zero, com os bilhetes sendo vendidos diariamente dentro da igreja e também na secretaria. Os empresários podem participar destinando 3% da arrecadação do ICMS para a Cultura e Preservação do Patrimônio. Para mais informações, podem entrar em contato conosco.

Em relação ao impacto causado pelo tráfego de veículos, a transferência das linhas de ônibus da Rua Florêncio de Abreu trouxe melhora para as estruturas da igreja?

Segundo a opinião empírica da nossa equipe de engenharia, a retirada já minimiza o impacto, mas para oferecermos uma posição objetiva e precisa, será necessário refazer os cálculos e um novo laudo técnico por um período de três a seis meses. No atual momento, não temos recursos para fazer esse estudo. Nossa prioridade é despender recursos para o reforço estrutural. A Prefeitura, neste semestre, comprometeu-se em fazer as melhorias no pavimento do entorno da Catedral para minimizar as vibrações e, até o momento, nada foi feito.

Mesmo após essas mudanças, o fluxo de veículos continua sendo prejudicial para a preservação estrutural do local?

O laudo inicial contratado pela igreja da empresa Recuperação recomendava o afastamento do trânsito num raio de 150 metros. Ainda é o posicionamento técnico oficial que temos.

Desde o tombamento da Catedral pelo Condephaat, em 2014, quais mudanças foram feitas para a preservação do local?

O senhor notou alguma mudança na sociedade em relação à importância histórica da igreja, depois disso? A sociedade tem demonstrado mais interesse e preocupação, não somente com a Catedral, mas com a preservação do Patrimônio como um todo. Essas mudanças passaram também pelos meios de comunicação, principalmente pela imprensa que tem dado um bom apoio, tanto para a Catedral, quanto para todos os patrimônios históricos que fazem parte da nossa cidade. As mídias sociais também tem alavancado muito essa conscientização e têm sido um meio de divulgação de todas as campanhas promovidas pela Igreja.

O que é preciso ser feito para que haja uma transformação no olhar da população e do governo em relação aos patrimônios da cidade?

Com a população, todas as campanhas que temos feito já têm despertado essa transformação, porém, acredito que seja importante ampliar a discussão nas escolas, nas universidades, nas Organizações Sociais e em outras instituições. Quanto ao poder público, o primeiro passo é o diálogo e a apresentação de um bom projeto para mostrar que o patrimônio não se restringe somente ao aspecto histórico, mas traz, também, benefícios ao município com recursos e elevação da cultura de um povo. O patrimônio pode vir a ser um local de visitação turística.

Qual mensagem gostaria de deixar para os ribeirãopretanos sobre a preservação da Catedral Metropolitana de São Sebastião?

Os bens culturais da Igreja são expressão de uma civilização. A Igreja cuida do patrimônio que construiu, conserva-o e enriquece-o continuamente para que o povo crente e não crente possa encontrar nele ambiente de elevação para o mistério invisível de Deus e de reunião fraterna da comunidade. Os edifícios de culto são o cartaz de identidade de uma população. O patrimônio construído é, também, um espaço aberto a todos, um sinal que tem em vista dar a conhecer o seu significado e comunicar uma mensagem. Por isso oferece, de boa vontade, a todos os interessados, à sociedade em geral, a fruição da beleza da arte, da história, dos símbolos, da proposta de vida do cristianismo. Assim, toda a população pode ser enriquecida com a abundância cultural do patrimônio religioso e a Igreja cumpre a sua missão de evangelizar favorecendo o diálogo da fé com a cultura. A Catedral é o museu da beleza, da história de cada criança, de cada jovem e de cada família que por lá enriqueceram sua fé e iniciaram sua vida se alimentando do mistério invisível de Deus.


Texto: Gabriela Maulim

Fotos: Luan Porto

Fonte: https://www.revide.com.br/editorias/entrevista/catedral-e-o-tempo/

We want to know your opinion on this topic. viagra tablets To do this, you can write your comment in the form below to share your experience with the rest of the users.

Postagens Recentes

Deixe um Comentário