Quaresma, tempo favorável de graça

 em Arcebispo

Desde o dia 22 de fevereiro, Quarta-feira de Cinzas, estamos vivendo o tempo quaresmal. Que significado tem a Quaresma e que apelos ela traz para o fiel?

A palavra quaresma está ligada a ideia de quarenta dias. Por volta do ano 350 d.C. os cristãos estenderam para 40 dias a preparação para a celebração da Páscoa do Senhor. Surgia assim a chamada Quadragésima, que em português significa Quaresma.

Por que o número 40? Entre os muitos significados que os antigos davam ao número 40, um nos interessa de modo particular: o de indicar o período de preparação (mais ou menos longo) em vista de um grande acontecimento. Por exemplo, no Antigo Testamento: o dilúvio durou 40 dias e 40 noites… e foi a preparação para uma nova Humanidade (cf. Gn 7, 17s); 40 anos passou o povo de Israel no deserto… preparando-se para a entrada na terra prometida; por 40 dias fizeram penitência os habitantes de Nínive… antes de receber o perdão de Deus (cf. Jn 3); 40 dias e 40 noites caminhou Elias… até alcançar a montanha de Deus (cf 1Rs 19, 8); no Novo Testamento, por 40 dias e quarenta noites jejuou Jesus… como preparação para sua missão (cf. Mt 4, 2; Mc 1, 13; Lc 4, 2). Seguindo o pensamento bíblico, a nossa Quaresma significa um tempo especial de preparação para o maior acontecimento do cristianismo, ou seja, a celebração da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Desde os tempos antigos, a Quaresma foi considerada como um período de renovação da própria vida. Para o Papa Francisco, Quaresma é tempo de renovação para a Igreja, para as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é sobretudo um “tempo favorável” de graça (cf. 2 Cor 6, 2). Ela representa para todos nós a ocasião propícia para uma profunda revisão de vida. No mundo atual, ao lado de generosas testemunhas do Evangelho, não faltam batizados que, perante o apelo do seguimento de Jesus Cristo, assumem uma atitude de resistência surda e por vezes também de aberta rebelião. São situações em que a experiência da oração é vivida de maneira bastante superficial, de forma que a Palavra de Deus não incide na vida e o no comportamento diário. O próprio sacramento da Penitência é considerado, por muitos, insignificante e a Missa dominical apenas um dever que se deve cumprir.

De que maneira realizar uma séria mudança de vida? Eis um questionamento importante para se viver bem este tempo forte do Ano Litúrgico. Em primeiro lugar, é preciso abrir o coração às mensagens comovedoras da liturgia; é preciso também dedicar-se a uma oração mais profunda. O período que prepara para a Páscoa representa um providencial dom do Senhor e uma preciosa possibilidade para se aproximar d’Ele, e pôr-se à escuta da sua Palavra.

Há cristãos que pensam que podem dispensar este constante esforço espiritual, porque não sentem a urgência de se confrontarem com a verdade do Evangelho. Eles procuram esvaziar e tornar inofensivas, para que não perturbem o seu modo de viver, palavras como: “Amai os vossos inimigos e fazei bem aos que vos odeiam” (Lc 6, 27). Estas palavras, para estas pessoas, ressoam, como nunca, difíceis de serem aceitas e praticadas em coerentes comportamentos de vida. De fato, são palavras que, se forem tomadas a sério, obrigam a uma conversão radical. Ao contrário, quando somos ofendidos e feridos, a tentação é ceder aos mecanismos psicológicos da compaixão de si mesmo e da vingança, ignorando o convite de Jesus a amar o próprio inimigo. Contudo, as vicissitudes humanas de cada dia põem em relevo, com grande evidência, o modo como o perdão e a reconciliação sejam irrenunciáveis para realizar uma real renovação pessoal e social. Isto é válido tanto nas relações interpessoais, como nas relações entre comunidades (Cf. S. João Paulo II, Quaresma, 2001).

O falecido Papa Bento XVI, em 2006, disse: “A Quaresma é o tempo privilegiado da peregrinação interior até Àquele que é a fonte da misericórdia. Nesta peregrinação, Ele próprio nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, amparando-nos no caminho que leva à alegria intensa da Páscoa”.

Aproveitemos esta Quaresma para esta peregrinação interior, para uma oração mais profunda, para uma escuta mais atenta e dócil da Palavra de Deus, para um maior esforço de conversão do coração, para uma vivência mais concreta da caridade; desta forma, faremos uma boa preparação para celebrar a Páscoa do Senhor.

Dom Moacir Silva
Arcebispo Metropolitano

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